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quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Redes de vento





Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas esculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Esta é a função que exerço
semear na pátria das falas

Esta é a função que entendo
noite a dentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas

         







             

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Poema para o pai



                                        Poema para o pai
Pai, o que faltou de ti para abarcar
sobrou de mar e pescarias ao luar
O que faltou de ti para compreender
sobrou em mim para te reescrever 
O que em ti faltou para me perder
sobrou em mim para te achar
Agora te levo como um menino
pelas dunas do entardecer
e me perguntas se sou teu pai
e me indago se és meu filho
                                  Francisco Orban

              
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Calcários



Calcária noite
feita de costados
Deste lado do tempo
vejo
um rio com seus barcos
alquebrados
passar pelo mundo ao acaso
E deste rio sou a permanência
quando traz aos meus olhos seus cansaços:
os seus pomares de águas
os seus haras de silêncio
onde semeio sempre
as palavras de que me sirvo

Poema de barro




Noite dos dizeres
derramados
Sob o luar
uma sinfonia
Frágeis as mãos
talham o barro
da vida que seria
E assim este
faz-se verso
no corpo do poema
até tornar-se pássaro
e ir-se na ventania
Então pensa o homem
que é ave
o barro
de sua poesia

País azul

De noite durmo com
as canções 
da infância 
e  descanso em  seu porto
abandonado
Se estou nela
e já longe apartados
são  apenas contingências
do passado
habito ainda em seu  
país azul 
de embates estelares
trazidos  ao
longo do tempo

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Só o deserto






Só o deserto
meu amor
sabe do meu amor
por você
nem a cidade
com seus bichos
pousados
nem a decisão
de sonhar
ou morrer

Só o mar
com seu tremor
diário
atrelado à voz
dos que sonham
e os peixes
com as presas
do luar
sabem




O poema de amor






Muitos poetas te amaram
mas eu te amei muito mais
porque estavas
no coração selvagem das estações
do mundo
e as amarras que nos apartavam
sob o teu olhar desatavam-se
e tudo era o nascimento
da encantação

Muitos outros te amaram
mas eu te amei com meu amor sereno
e pousei uma flor
na palma da tua mão
E plantei um beijo no teu sorriso
e tu cobriste de doçura com os teus gemidos
o que era o início do mundo

Muitos te amaram
mas só eu segui contigo o caminho das águas
quando meu amor louco ressoava
e fazia debandar os navios


 Sol das esperanças
mar dos horizontes amarrotados de barcos
Aqui estou assolado pelas multidões de dias
e dos caminhos que encontrei pelo mundo

Ouça meu amor este poema
agora que o crepúsculo nos assedia
aceno para ti como sempre acenei

Desígnio do azul








Meu olhar de pescador
desconhece o vento
E sob o desígnio do azul
escrevo um verso
Se estou perto de Deus
não sei ao certo
Aqui os flamingos
desconhecem  o tempo
e planam  sobre o mundo
a céu aberto

Eu voo sob os braços do eterno
em mim tão perto
e obscuro

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Imensidão





Não é necessário
do mar guardar
a imensidão azul
Basta prever
o que dele exala
os búzios que devolve
com suas músicas náufragas
e as jangadas brancas
que desfralda
ao longe
bandeiras
de ninguém

Procuração do mar




Artesão dos signos
procurador do mar
O ar e seus inquéritos
fraudados
A vida e suas alianças
frágeis

Papel do mar








Que o mar cumpra seu papel
com seus búzios que a todo momento
me chegam com seus  sonetos de vento
e que levo aos ouvidos desatentos
Que o mar cumpra seu cordel
ao trazer-me o sentido do infinito
seu país azul amarrotado



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Paraty





Naquele momento, olhando o mar com seu dorso amarrotado pelo vento, restabeleci novamente meu diálogo com Paraty e seu passado. A cidade fora então um lugarejo perdido de onde escoara o ouro. Suas igrejas loteadas dividiam os habitantes: uma para os senhores,outra para os mulheres brancas, esta para os mestiços e negros escravos
Num mundo injusto e segregado, a cidade era assim repleta de insetos e dejetos atirados nas ruas, sobre as calçadas de pedras trazidas de Portugal pelos navios. Pedras que não foram tantas quanto as pepitas de ouro extraídas pelos negros expatriados, que ,aqui, como escravos, também foram de suas vidas arrancados.
Assim chegamos do futuro a esta cidade pousada no azul como uma nave de luz no chão do mundo, toda feita de leveza pelos poetas que a restauraram e a reinventaram. Eles que foram os que possibilitaram a sua permanência, como se encontra, assim como seus fundadores que um dia conspiraram para que ela existisse assim como uma pétala. E desta maneira a vemos, com os nossos olhos transmutados pelo hoje, na ilusão de que Paraty de alguma forma tenha sido sempre esta que agora vivenciamos. É que, naquele mundo brutal, suas paredes já foram erguidas como são e talvez ela existisse assim, como veio a se tornar, posto que embrionariamente já existia no coração dos homens.