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terça-feira, 28 de junho de 2016

Estuário



Esta cidade aderna
sobre o mundo
e seu parapeito
Coberta com a cal
das horas
e dos solares dias

Seu enredo
assim se apresenta
-um milharal de luzes
na noite-

Frente ao mar
mas não a afrontá-lo
e sim como se dele fosse
o estuário

Mármore da palavra



No mármore
da  palavra
procuro a sinfonia
que me escapa
como essa noite
finda
da qual só ficou
a casca
onde se gera um poema
que ninguém abarca
Um relâmpago
do qual só se guarda
o espanto

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ônibus 614



A noite por dentro das horas e do amor
e os rostos deitados no chão do mundo
Assim caminháva-se
Trinta milhões de cigarras na pele das calçadas
e as pedras suando
e o cheiro de rio mata e silêncio
e eu sem saber navegar
e sem saber do mar
e o ônibus 614 levando os meninos 
e meninas
com seus destinos de vento
e se embrenhando por outros caminhos
e não chegando ao seu paradeiro

Nada mais se sabe desta terra
nem do rosto dos seus encantados
nem das disputas de carros
nas madrugadas das noites
de  um mundo sem fuso- horários

ônibus 614 passou
me arrastando para fora do tempo
para onde me deixei levar


Éramos filhos da terra
e havia os heróis e não heróis
os balões que subiam nas noites acesas
e seus caçadores pela madrugada
e o espírito da mata sobre os sonhadores
e os primeiros amores
e as guitarras que cumpriam seus acordes
e os dias com seus mares abertos
fora do tempo, onde caiu pelo ralo
a chave do mundo
e meu destino sem retorno
juntos



onde o ônibus 614 passava
antes de embrenhar-se no nada
e nos amarrar para sempre
nas tramas da madrugada


Um rio atravessava a cidade
sob a chuva que se estendeu por cem horas
entre pedras caminhões estrelas mortas
tudo desceu pelo dedo das horas
naquela vida assombrada
em que para sobreviver era preciso nascer
 em que para nascer era preciso descer
no ônibus 614
em um dia qualquer de fevereiro
no ano de 1968
em um mundo sem palavras
em pleno estado de comunhão

Não estava escrito nos braços
dos navegantes
nem no navio que nos fez sair
do dia comum
onde nos vimos em silêncio
recostados nos mesmos  bares e verbos
imunes ao tempo e seu grande cenário
enquanto o ônibus 614
passava
levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento

Ventava nas janelas do tempo
ventava dentro da vida e da morte
ventava entre os versos vedados
e um rio entre nossas mãos crescia
e sua face era um rosto de terraços
a nos amarrar para sempre 
nas tramas do absoluto



O ônibus 614 atravessou vinte quadras
antes de cair no infinito

Tramo com o dia um poema
que se torne passagem
Tramo com os pescadores
uma canção para ninar o mundo
Enquanto o mundo não se nina
eu nino meu filho que me afaga
esperando o ônibus 614
que sempre me acena com a sua viagem impossível
antes de capotar nas ruas reais do dia

O ônibus 614 desceu a rua Rocha Miranda
e viu Cristina Maria feita de adolescência
e passou por dentro do tempo
entre as árvores desencontradas da esperança
pela experiência de ser guiado por uma estrela
que também por nós se guiava
pelos corredores azuis da noite
com o mapa do mar no bolso
com o mapa das águas no coração
Mínimos meninos
pisando nos trilhos de um trem que ia da alegria
a Itaguaí
mas que foi desativado
como foram oceanos
bichos palavras amores amigos
lutas violões ventanias






sexta-feira, 24 de junho de 2016

Calcários






Calcária noite
feita de costados
Deste lado do tempo
vejo
um rio com seus barcos
alquebrados
passar pelo mundo ao acaso
E deste rio sou a permanência
quando traz aos meus olhos seus cansaços:
os seus pomares de águas
os seus haras de silêncio
onde semeio sempre
as palavras de que me sirvo

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Alpercatas

Estas alpercatas 
emprestadas
Curtidas 
com o couro
das estrelas 
e estradas
Para calçar 
servem
nessas ruas 
esgarçadas
onde o coração
solar
não serve


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Uma orquestra




Com um rio
que não revela
seus versos
buscamos
noite adentro
a foz de toda palavra
Por fora
a madrugada
e por dentro
o breu e as trevas
E uma orquestra
de seres
que nos escondem
seus nomes
costeiam toda a paisagem
atenuando-lhe
a marcha

Imensidão




Não é necessário
do mar guardar
a imensidão azul
Basta prever
o que dele exala
os búzios que devolve
com suas músicas náufragas
e as jangadas brancas
desfraldadas
tal qual
bandeiras
de ninguém