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domingo, 31 de agosto de 2014

A cidade

A cidade era de luz
e casas
enquanto nós
vestidos com as peles
das águas
deslizávamos imunes
dentro de uma geografia
que incluía o teu sorriso
e toda orla marítima
não dominada

Encantado

Encantado
não era o lugar
encantado
era eu

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Tempo

Eu a amava
e todos os silêncios
nos cercavam
e era quarta feira
à beira de um carnaval
onde lanternas suaves
eram penduradas nas ruas
e algazarras ordenavam-se
nas almas dos homens
Eu a amava
Mais a imaginando do que vendo
e nossas vozes formavam uma sinfonia
pela força do hábito
de nossos entrelaçados cotidianos
de beijos e abraços
e palavras ternas proferidas
E quando nos apartamos
parecia ser só o tempo de um dia
Mas ao tempo de um dia seguiu-se outro
e a este outro somaram-se noites
E assim tem sido
Como se não soubéssemos
que o tempo é uma armadilha

sábado, 23 de agosto de 2014

Ônibus 614

         

A noite por dentro das horas e do amor
e os rostos deitados no chão do mundo
Assim caminhava-se:
milhões de cigarras na pele das calçadas
e as pedras suadas
e o cheiro de mata, rio e silêncio
e eu sem saber navegar
e sem sabermos do mar
e o ônibus 614 levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento

Nada mais se sabe desta terra
nem do rosto dos seus encantados
estacionados nas madrugadas 
de um mundo sem fusos-horários
O ônibus 614 passou
para fora das horas e das águas
parando mas sem nos deixar

Éramos filhos da terra
com seus  balões  nas noites acesas
seus caçadores pela madrugada
e o espírito da mata nos sonhadores
e os dias com seus mares abertos
onde o ônibus 614 passava
percorrendo quadras, caminhos baldios
antes de embrenhar-se no mundo
e sumir nos ralos do nada

Quem  retorna do amor e suas terras ?
Muitos sonhadores guardam isso
quando a noite enfim nos recriava
Um rio atravessava tudo
sob a chuva que estendeu-se por cem horas
entre pedras, caminhões, estrelas mortas
Tudo desceu pelo dedo das horas
naquela vida assombrada
em que para sobreviver era preciso nascer
em que para nascer era preciso descer
no ônibus 614
em um dia qualquer de fevereiro
em um mundo sem palavras
em pleno estado de comunhão

Não estava escrito nos braços
dos navegantes
nem no navio que nos fez sair
do dia comum
Não estava escrito no passado
onde nos vimos todos em silêncio
recostados nos  mesmo bares e verbos
imunes ao tempo e seu grande cenário
enquanto o ônibus 614
atravessava a imensidão
levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento

Tramo com o dia um poema
que se torne passagem
Tramo com os pescadores
uma canção para ninar o mundo
Enquanto a terra não se nina
eu vejo meu filho a me chamar de pai
Enquanto me vejo com um velho realejo
esperando o ônibus 614
que sempre me acena com
sua viagem imaginária
antes de capotar nas ruas reais 
do dia

O ônibus 614 desceu a rua Rocha Miranda
e viu Cristina Maria, feita de adolescência
e passou por dentro do tempo
entre as árvores desencontradas da esperança
pela experiência de ser guiado por uma estrela
que também por nós se guiava
pelos corredores azuis da noite
com o mapa do mar no bolso
com o mapa das águas no coração
Mínimos meninos
pisando nos trilhos de um trem que ia da alegria
a Itaguaí
mas que foi desativado
como foram oceanos
bichos, palavras, amores, amigos
lutas, violões, ventanias






sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Ombro a ombro



Navegaremos por cidades perdidas
Com o barro inesperado dos dias
faremos o inventário do outono
Olhando as estrelas a velar nossos sonhos
resistiremos

E ombro a ombro com nossas vidas descalças 
inventaremos nas calçadas da noite
o escape do nosso degredo

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Face secreta



Lido com a face secreta do mar
Aqui as pedras secam sob o outono
A sombra de um poema fica
como saga de navegações
A cerração do verão sobre as certezas
A pele da aventura
sobre  o corpo
da noite

Lido com o hálito
de uma estrela
e seu sentido
a iluminar

meu rosto

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Quando eu envelhecer


        
                       


Quando eu envelhecer
e os versos forem só minha pousada
já não andarei na terra para lutas
mas para plantar  palavras
Quando envelhecer
guardarei teu rosto
que é o navio da minha alma
entre as samambaias do tempo
que o tempo também tem safras
onde colho meus poemas
que crescem a cada estação
assim como te colho
a cada dia que passa
nas terras do coração

Transes




Por muito menos guardei o mar. Com as juntas dos ossos, refiz-me pouco a pouco das palavras de ordem de uma canção antiga que falava do esperar. Não sobrou muito depois. Uma vez despojado desses versos, descobri que a encantação me alimentava. Entre as hordas de um  país feito de  noite,  a encantação fora o único guia prático para as coisas cotidianas.  Hoje, irmanados nesse ônibus parador, que caminha sem nenhum mapa por um país chamado mundo, penso nesse roteiro vagabundo do qual não guardei cópia, enquanto lá fora, um horizonte de águas cerca as últimas cidades. As mesmas  em que um dia fomos invencíveis, quando  portávamos em nós a magia dos que se alimentam de transes, qual uma manada de sonhadores, em desarmonia com seu rebanho.

domingo, 10 de agosto de 2014

Bumerangue

As palavras pelo mundo
eram puro movimento
A cada momento as buscava
com minhas redes de vento
A cada instante as soltava
como   pássaros ao nada
mas para mim retornavam
num movimento crescente
Voltavam como cardumes
ou mesmo  como matilhas
de coisas a serem ditas
Pousavam sempre inocentes
na noite feita de águas
com seus lumes e semblantes 
no colo da madrugada
Mas nossos laços na vida
um dia fizeram-me ver
que elas eram de facas 
de terremoto e armadilha
Elas sim que nos criavam
éramos seus bumerangues


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Calcários




Calcária noite

feita de costados

Deste lado do tempo

vejo

um rio navegável com seus barcos

passarem  pelos caminhos do acaso

E desse rio sou a permanência

quando traz aos meus olhos seus motivos:

os seus pomares de águas

os seus haras de silêncio

onde semeio sempre

as palavras de que me sirvo

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Sobre um carnaval



Eu a amava
e todos os silêncios
nos cercavam
e era quarta feira
à beira de um carnaval
onde lanternas suaves
eram penduradas nas ruas
e algazarras ordenavam-se
nas almas dos homens
Eu a amava
mais a imaginando do que vendo
e nossas vozes formavam uma sinfonia
pela força do hábito
de nossos entrelaçados cotidianos
de beijos e abraços
e palavras ternas proferidas
E quando nos apartamos
parecia ser só o tempo de um dia
mas ao tempo de um dia seguiu-se outro
e a este outro somaram-se noites
E assim tem sido
como se não soubéssemos
que o tempo é uma armadilha