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quarta-feira, 26 de março de 2014

Veleiros da madrugada



Se os veleiros
não nos seguirem
mais pelo mundo,
outras palavras
nomearão as coisas,
uma velha roupa de madrugadas
não terá mais sentido
e o vínculo com os sonhos
estará desfeito.

Mas o que impediria
os veleiros
de permanecer tão janeiros
em sua vigília de brancas
velas
no mar amarrotados de ventos?

terça-feira, 25 de março de 2014

Sinfonias de vento



Do mar
estes búzios
Onde dentro
o mar ditava
sua sinfonia
de águas
e muitos
ventos
e remos
e remadores
atentos
aos seus
cantos
e ciladas

Do mar
essas ruas 
de vento
onde passo
com meus 
poemas
que são sinfonias
do mundo


domingo, 23 de março de 2014

Encontro com o mar



Esse encontro com o mar
não foi acaso;
veio com o destino
que nos rege,
que a uns escolheu
para a alegria
e a outros oferece
sua face.
Esse encontro com o mar
não foi acaso;
suas dunas salgadas
e veleiros
movem os sonhos
que um dia me moveram.


Dentro de um transe



Deixaram os cavalos partir. Agora galopam sob a lua e seguem o rastro dos ventos. Vindos das águas e das ilhas, correm pela noite como dentro de um  transe. Com seus músculos em sintonia com o mundo, os cavalos não sonham as palavras dos homens. Exacerbados pelo enigma que os consome e lhes concede um tempo breve, feito de  ternura e fúria.

Dirás de mim


                
Dirás de mim
que vim do abismo
e os veleiros nos seguirão
pelo mundo

Dirás de mim
que vim do abismo
e em teu corpo farei
as canções que a terra
pede
e minhas mãos serão
a pousada do teu
abandono



Semblante de água



De que fala esse homem
com seu semblante de água
imóvel velejando
nesse escombro de sonho?

De que fala esse homem
nessa cidade de prata
sobejo de agosto na boca
redemoinho sem rosto?

De que fala esse homem
com sua utopia sem nome
e o beijo das fadas
embrenhado no corpo?


Marina - 1975


Não é porque dormes
Marina
dentro de um país
sitiado
que esquecerei nossa luta
nem os versos itinerantes
nem os bancos das praças
onde dormíamos
porque não havia
mais endereços

não é porque caímos
neste cotidiano das palavras
que esquecerei
do espírito do mundo
pregado na nossa pele
quando o mal era uma canção
sem versos
e o bem era o silêncio ao longe





Movimento das águas



Não foi o homem cego
que não atravessou a cidade
com as mensagens oceânicas
que ficaram por ser ditas
Não foi o topo da ilha
onde se largaram
no movimento das águas

vidraceiro de mãos cortadas
menino ambulante com mãos de amendoim
não vendido
vendedor de cocada expulso
de seu pequeno reino
moça atirada do trem sem vestes
homem sonhador morto
estatístico cansado de toda estatística

Para onde iremos depois de tudo
perambulantes da noite
entre multidões sedadas
com os anos da inocência esquecidos
com os andaimes das horas esgotando-se

Senhor convidado para o jantar
mulher culta do olhar desolado
para onde iremos
sem as palavras

do altar das ruas?

Nas noites feitas de vento



Escrever com dor
fere as palavras
que moram nos cercados
do tempo
Assim prefiro levá-las
às tardes onde pousa
a lua
Assim prefiro deixá-las
nas noites feitas
de vento

Trago as palavras
que são músicas
para os silêncios
que são falas

Longe das vozes
mudas
que são muros


Navios de agosto



Já não te aguardo
foste levada
pelos navios de agosto
e no ocaso da noite
escolheste
a fúria dos
acontecimentos

Já não te aguardo
derramaram-se as palavras
e o silêncio agora é esta mesa
e o cansaço agora é esta sala

Não te aguardo
nem me aguardas


Seca dos versos





Não havia lagos, mas o silêncio. E um latifúndio de acasos submersos. E uma estação fria, sem mapa. E a seca dos versos não escritos. Não havia tempo, mas um território de ventos e verbos. E uma pequena canoa, onde desciam pela grande noite, levando o livro das utopias breves. As que movem o mundo e se ausentam.

Terraço de revoadas

Do deserto também
nascem pássaros.

Aqui mesmo
em minhas mãos,
- terraço de suas revoadas -
encontro o barco
das migrações

perdidas

Convés



Mar
açude aberto
em que terraço
de água
achei o convés
de teus versos?
Quando teu verbo
era o que me navegava
e na palma dos teus veleiros
esculpiste os ventos
que eu buscava

Mar
país de águas
assentado
nas almas
dos pescadores
que conhecem
tuas calmarias

Teu modo de encantar
as vidas
antes de salgá-las


Redes de vento



Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas esculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Esta é a função que exerço
semear no chão das falas

Esta é a função que entendo
noite adentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas

terça-feira, 18 de março de 2014

O poema de amor



Muitos poetas te amaram
mas eu te amei muito mais
porque estavas
no coração selvagem das estações
do mundo
e as amarras que nos apartavam
sob o teu olhar desatavam-se
e tudo era o nascimento
da encantação

Muitos outros te amaram
mas eu te amei com meu amor sereno
e pousei uma flor
na palma da tua mão
E plantei um beijo no teu sorriso
e tu cobriste de doçura com os teus gemidos
o que era o início do mundo

Muitos te amaram
mas só eu segui contigo o caminho das águas
quando meu amor louco ressoava
e fazia debandar os navios

Sol das esperanças
mar dos horizontes amarrotados de barcos
Aqui estou assolado pelas multidões de dias
e dos caminhos que encontrei pelo mundo

Ouça meu amor este poema
agora que o crepúsculo nos assedia
aceno para ti como sempre acenei
Incansável

Na Carne viva

                

O sol e o cosmos
na carne viva

Acordo com as costelas
quebradas
de outra vida

segunda-feira, 17 de março de 2014

Noite botânica


Noite botânica
os navios buscam
enseadas.
Vindos de vagos países
onde as almas se renderam
às coisas esquecidas
das palavras

Teus seios passageiros




Cuido da tua versão diante de mim, mas estás tão perto, a tua boca. A noite molhada de frágeis fantasias errantes. Álcool, tango, militância civil desenganada. Por mim tu ficavas nesta noite aclimatada para o nosso amor sob estrelas desgarradas, e no mais teus seios passageiros Não sou mais este que fala

domingo, 16 de março de 2014

Coroa Grande

Brincávamos de água
com a pele das certezas
esgarçadas
Andávamos sobre os trilhos
do impossível
com um velho violão baldio
do convés
de nossos sonhos
arrancado

E era maré e  maré alta
quando o mar quebrava
nas calçadas
E os atabaques
sitiavam
o que em nós
era outono
e madrugada


Voz do Brasil



O vento andava pela noite
vestindo todo mundo de afagos
O vento afagava os telhados
das casas e das horas que passavam

Era tempo de crescer
e todo mundo ouvia
a hora da Voz do Brasil

Um dia fingi crescer
e cresci
A hora da Voz do Brasil
tornou-se  todas as horas

sábado, 15 de março de 2014

Tabuleiro



Na minha cidade existia um rio
que foi bombardeado
e hoje é um lodaçal
de peixes que dormem
de cabeça para baixo
 Existia um rio
no coração de cada homem
muitos aniquilados
pelas duras palavras
que calcinam os sonhos
 Existia uma lua na minha cidade
que pousava como um grande
tabuleiro de paz sobre a noite
onde os corpos dos sonhadores
e internautas terminais
eram embrulhados
em sudários

Na minha cidade
os poetas recostavam o rosto no chão
para ouvir a cidade que resistia


quarta-feira, 12 de março de 2014

Tarrafas



Nunca precisei da lua
como agora
com sua tez clara
a gestar auroras

As redes infinitas
que arremessei
sob as estrelas
hoje são velhas tarrafas
a resgatar vidas
esgarçadas

O menino de água
que fui
se foi na curva
da quarta-feira


terça-feira, 11 de março de 2014

Janeiros



Que seja janeiro
de onde emergem as palavras
içadas dos parapeitos
dos dias que aqui me chegam
e se erguem para o nada

Que guarde janeiro
a foz do primeiro beijo
e que de janeiro voltem
os comboios da infância
com seus navios perdidos  
no dorso dos horizontes

E que assim janeiro nos deixe
sem as respostas procuradas a esmo
Só encontradas nos teus olhos janeiros
e nessa enseada a que chamo de teu corpo



segunda-feira, 10 de março de 2014

Poesia de Francisco Orban

A poesia de Francisco Orban transborda na intensidade de um de seus versos inaugurais: “palavra, minha única estrada”. Poeta que se permite transfigurar-se frente ao ensurdecedor e tantas vezes estéril espetáculo do mundo, ele anuncia suas auroras como um predestinado e é assim que também assume os passos de cantor da vida e seus tumultos, dos acertos e desacertos amorosos, do que há de glorioso e inglório nesta nossa estrada de pó e esperança. Quieto em sua oficina, sem alarde, ele aos poucos se afirma, e com justiça, entre os mais convictos e afinados líricos de sua geração e um dos poucos que encaram a poesia com generoso e claro espírito de missão. 

 
André Seffrin

Navios do mundo

                

Navios do mar
já tive o tempo do mundo
mas me escorreu pelas mãos
como as dunas que encontrei
em teus roteiros de água

Hoje toco com os dedos
a tez de tuas velas desfraldadas
de onde advém
a matéria salina
com que escrevo
tuas sagas

domingo, 9 de março de 2014

Feira



Vendo na feira
dezembros e quartas-feiras
trazidos do território
da grande noite
inacabada

Dezembros


Quando dezembro chega
não falo mais de ti poesia
não me abato mais
com tua ausência
feita de tamanhas sequelas
Vejo nas ruas
as quartas-feiras grávidas
as latas chutadas dos poemas
e versos improvisados
Quando dezembro chega
acato o que dizem as palavras.
Avanço por dentro
da noite
em busca do país
negado

Bicicleta



Vejo na rua em que passo
Um menino com a lua nos braços

A jogar piões sobre os terraços
embicando pipas em telhados
pensando driblar o acaso


Vejo-o no tempo reinventado

sábado, 8 de março de 2014

Mundo que se basta

                                                   

O mundo que se basta
em mim
não é o que eu imaginava-
Eu iria mais longe
nos meus navios

Mas o mundo que se basta
em mim
é o meu legado:
a lembrança dos ciganos
as vidas sem sobrenome
os inventários abertos

As lendas das almas
retalhadas
nas palavras dos meus versos

Calendário de águas




Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas esculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Esta é a função que exerço
semear no chão das falas

Esta é a função que entendo
noite adentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas



sexta-feira, 7 de março de 2014

Encontros

Sei que te quero assim
recosta sobre mim
teu jeito de menina
Deixa eu espreitar
na surdina
os recônditos
da tua doçura

Tiro o vestido da tua pele
mordo com avidez
a tua febre,
invento um prazer
para ti

Sei que  me queres assim
deixa o teu cansaço
de navios
o gesto de te ninar
é só um faz de conta

Encantado



Encantado
não era o lugar
encantado
era eu

Constatações

Os gestos e os aromas da noite
estão embutidos neste sonho
do qual os outonos se retiraram

E nada silencia esta saga


Horizontes



Pele de aventura e ventania
o horizonte abraçado à estrada
e as lembranças nas mãos pousadas
senhoras e donas do mundo

terça-feira, 4 de março de 2014

Lua de prata




Uma lua de prata pousava em seu rosto Não era agosto, não era nada. Só a lua de prata que o seguia. Então quis deixá-la, arrancá-la do norte da alma, mas ela com sua ausência o buscava. Viu então  que tinham remos e um rumo ao outro remavam. Viu então que tinham os rostos da natureza das águas. Tentou então esquecê-la, mas ela retornava, tentou então esquecer-se, mas sempre voltava para si. Tentou por fim dar-lhe o mar. O mar e seu país azul, os búzios de uma ordem naufragada. Mas nada foi possível. Então fugiu para dentro da noite, com os seres debandados de um sonho. E foi pior; na noite a lua reinava.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Silêncios





Viver no mundo com os seus silêncios, para se chegar ao pleno. Foi por este caminho que alcancei os rios do coração. Era um país onde poucos percorriam as terras não aradas das almas, mas quem se atreveria a ir tão longe? Quem desafiaria a manhã, atravessando o dia, escorregando por dentro da noite, até a madrugada densa? Quem ousava pisar o chão pedregoso dessas  horas? O menino que um dia fui atravessou comigo esse caminho. Em seu rosto estava escrita a revelação que hoje guardo. Em mim ele sobrevive, e só o acordo para ouvir os pássaros do infinito que antecedem a criação do mundo.

Testemunho

CADA HOMEM É RESPONSÁVEL PELO MUNDO TODO

Cais da noite

Teu nome
não o escrevo
no cais da noite
        onde nós com as palavras
fazemos a nossa parte

Não o escrevo
na matilha das horas
que em alvoraço ferem

Teu nome
é pedra e barco


sábado, 1 de março de 2014

À beira de um carnaval




Eu a amava
e todos os silêncios
nos cercavam
e era quarta feira
à beira de um carnaval
onde lanternas suaves
eram penduradas nas ruas
e algazarras ordenavam-se
nas almas dos homens
Eu a amava
Mais a imaginando do que vendo
e nossas vozes formavam uma sinfonia
pela força do hábito
de nossos entrelaçados cotidianos
de beijos e abraços
e palavras ternas proferidas
E quando nos apartamos
parecia ser só o tempo de um dia
Mas ao tempo de um dia seguiu-se outro
e a este outro somaram-se noites
E assim tem sido
Como se não soubéssemos

que o tempo é uma armadilha