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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Embrulho

                   Do mar
           guardei  o mar
                   Sua cara naufraga
                   destroçada
                   e a madrugada líquida
                   na palma das mãos
                   salgadas

                  
                   Do mar
                   Guardei o mar
                   e seu embrulho de água
                   e a maresia do mundo
                   como vertigem
                   estancada




Súditos do mundo




A arte de equilibrar-se
passou.
Agora, acampa nos meus olhos
o que não passa
A gangorra das palavras
que não aconteceram
O não dito do curso
de um rio sem margens
O rigor da noite
a assombrar seus passageiros
Súditos do mundo
sem paradeiros
Largados com seus mapas e veleiros
e bandeiras de pátrias assoladas
que são terras de ninguém.



Sobre a pedra


A pedra com que se desfaz
o homem,
não é da mesma
matéria,
com que se  refaz
seu  sonho
A pedra
que não contempla os
veleiros,
Não cabe
em seu caminho
de vento


Luzes

    

Já não me reconheço
neste  habitante
da paisagem
Vim com os pardais
e com eles gravei
nos muros
as palavras das luzes
dos quintais

Com eles aprendi
a amaciar os versos
nos pilares das horas
adversas
Só sou o que sou
porque canto a dor
e por causa dela
não minto

Estação de dezembro

O  tempo é a estação de dezembro
Onde os ventos chegam insones
E em seu convés habitamos
Como num rápido outono

E nesta viagem em que estamos
momentos são sedimentos
E os suprimentos que temos
são das colheitas dos sonhos


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Tabela periódica

Minha cidade
tem verdes estações de chuva
e a matéria de suas ruas
são girassóis encapsulados
Minha cidade tem
namoradas morenas
Os seus estádios de futebol
são grandes palcos ensolarados
Os seus elementos de ar
regem-se pela tabela periódica
dos poemas dos sonhadores
da terra
A minha cidade
tem o mar
como o grande
divisor de tudo


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

1975



        As ruas   de   desespero
e lembrança
e os sinos tocando ao longe
A cidade nas mãos
do inimigo
e os duendes nas almas
das crianças
As ruas de desespero
e lembrança
onde o gado foi morto
e deu-se a festa
sob um rio de risos
e sangue

As ruas de desespero
e lembrança
seus porões desconhecidos
do esquecido
onde jazem  os sonhadores
caídos
       na noite chamuscada
de imprevistos

As ruas de desespero
e lembrança
a cidade sitiada
e em festa
vinho e sangue
confete e farpa

                                                              


Nascimento do menino


Levavam incenso, ouro e mirra 
para o que ainda nasceria
com a terra sob os pés
e águas diluvianas próximas

Dentro do corredor
 e da paz da noite
levavam nas mãos
a palha dos anos
o rosto crucificado
de um Deus
que se fez humano
        
Não fosse a ordem
que os fazia caminhar
pelo deserto
seriam os mesmos

Não guardariam em si
as dunas silenciosas
do que sabiam
                       
                         Francisco Orban

Sete vidas


Tenho vida de sete gatos
e coração de homem que ama
A noite tece infinita
tramas e pássaros
em chamas

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Alameda das palavras

Atravesso uma noite de varandas
pelas alamedas das palavras
e sem ver suas faces de água
sigo com a alma descalça
pisando sombras não nascidas

Tudo é escuridão nesta hora
quando o vazio se alastra
mas uma palavra salta
da palma da minha alma

Por que assim veio não sei
As palavras tem rios secretos
como o amor suas próprias leis

Rosto da ausência

Sempre faço o luto
da tua perda
entre as ruas inaceitáveis
do adeus
Entre as alamedas
onde teu rosto
emerge
Nos dias
em que o amor
se desencontrou
das palavras

È o que fica
no sudário
onde acolho o rosto
da tua ausência

No coração da matéria



Quebro a máquina de janeiro
no coração mudo da matéria
pisando estrelas e vísceras abertas
Sigo sem destino
fingindo ter destino
com a alma talhada por pedras
Mas a sombra de um menino me acompanha
diz-me ser eu mesmo antes de mim
Digo-lhe da morte das baleias e ele ri
Acendemos incensos pela noite
acudindo vaga-lumes descuidados
que agonizam no chão áspero da terra
Criamos com a areia do mar a fórmula
de salvar o mundo
usando serragem de estrelas
mas tudo é um sonho
Ele deita o rosto no meu peito assolado
por uma poesia sem dono
e diz ouvir os navios da infância
pergunta-me quem foi Gepeto
pergunta-me o que é o cansaço
pergunta-me sobre sua mãe e seu pai
sobre todos os movimentos dos barcos
que vê e me mostra no horizonte
onde eu
cego pelo hábito de viver incrédulo
não vejo o que sei que lá se encontra