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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DO LIVRO LEILÂO DE ACASOS

A poesia de Francisco Orban é feita à sua medida, como deve ser a poesia dos verdadeiros seguidores da estrela. Pois o que se busca em uma poesia, senão uma esperança que nos escapa todos os dias das mãos, quando estamos de pulsos abertos para o sentimento do mundo? É verdade que não há mais retorno para os que se embrenharam nesta viagem para dentro de si mesmos e para esta relação de comunhão com a palavra. Não é possível o retorno. Missão, dizem alguns. É possível que seja uma das mais nobres missões, pois o que é um poeta senão o porta-voz de todos os que estão  sem voz?  O que é um poeta senão aquele que pontua, como contraponto à nossa rotina feita de pequenos embates e mesquinharias, o grande cenário do mundo?

Se muitos estão sós e desamparados da palavra, vem a poesia como uma luz no meio da noite, ou uma epifania, como define Gerardo Mello Mourão, referindo-se à obra anterior deste poeta. É por isso que os versos deste livro, escritos em forma de prosa, são pungentes e nos surpreendem, como afirma Geraldo Carneiro, perpassando uma dor diante das coisas que passaram. O livro invisível de Borges não é mais cruel do que a realidade que se impõe e nos atropela, com suas ameaças cotidianas e cósmicas. A ideia de que a juventude escoou, assim como escoaram muitos sonhos de sua geração, aparece de forma original nos textos Itinerantes e Leilão de acasos, únicos escritos na década de setenta, quando a loucura era  glamurizada e parecia conter uma forma de ativismo político.

Assim, o poeta reúne neste livro suas lembranças, que não obedecem, como todas as lembranças, a nenhuma ordem cronológica, ora falando do amor (“Como os veleiros, amei um dia uma mulher, que  de mãos dadas comigo resolveu andar pelos garimpos silenciosos do coração”), ora falando da violência, que não é mais nada do que a falta do amor (“Agora, o mundo escoava, mas era ele que se desfazia, e os dedos desapareciam, e as mãos distantes lhe faltavam”).

Antônio Carlos Sechin disse, a propósito de um livro anterior do poeta, que ele “se lança desguarnecido, num mundo de arestas e fraturas, mas onde a convocação do outro se faz mais premente”. Neste livro, no entanto, a poesia é a própria fratura exposta, mostrando os sentimentos de desilusão e deslumbramento diante do grande cenário deste vasto mundo. 



Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond
tel 021.25049211)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

HORIZONTE

          
                             


           Eu me quedo 
           com os ossos fatigados
           e as palavras mordidas
           entre o hálito das fadas


           e o silêncio atenuado
           pelo cantar dos galos
           que estronda e se esvai
           no horizonte

Casebre das estações

                  Só no meu peito
              -casebre das estações perdidas-
              guardei as hastes
              dos poemas arrancados

Navios do mar

Navios do mar
recostados no movimento
da tarde
Quantas vezes contemplei
seus destinos
Enquanto o vento da paisagem
sobre outubro e seus verbos
folheava as rimas do improvável


Há quem me traga
agora
seus caminhos sem costados
A tese de seus passageiros cegos
o mapa de seus mundos submersos
Enquanto eu
refaço em mim
o percurso de seus visionários
As dunas dos aquáticos
diálogos
que ficaram nos caminhos
do mundo