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sábado, 23 de abril de 2011

Calçada das horas


 

  Salta a lua na noite. Tudo é a imensidão do agora. Aqui estou no epicentro de um rio. Mas a mão de uma menina me busca e me leva para a calçada das horas. Em sua tez sinto a tez das águas. Ela me diz dos caminhos do mundo, onde a esperança deságua.
  No meio da chuva estava a infância, como uma granada calada. Levou-me pelas ruas do tempo, onde os piões e as palavras dormem ainda em estado nulo. Salta o crepúsculo sobre muros e brotam poemas que se guardam.  Ao ir-se com um beijo em meu rosto, me diz que não há abismos, apenas canções descuidadas

Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, lançado no dia 5 de maio de 2011, no Museu da República


terça-feira, 12 de abril de 2011

Redes de vento

                              

Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas exculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Essa é a função que exerço
semear na pátria das falas

Essa é a função que entendo
noite a dentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas


Extinção

                                  Texto Francisco Orban

  Outubro está solto. Entre as unhas, a pele do teu rosto. Também as garrafas que joguei ao mar não voltaram com o teu nome em um velho verso. Não voltaram e fizeram deste ato um jeito de navegar. Também naveguei de mim. Para longe do que sou e do meu amor por ti. Para os territórios da renúncia, onde moram os viajantes da espera. Isso me soprou um dia o mar, através de um de seus mínimos seres. Um búzio expelido das águas, com sua caixa de música, que ainda levo aos ouvidos e até hoje me fala.

Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, lançado no dia 5 de maio de 2011, no Museu da República

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Meus navios



Meus navios


Durante muito tempo quis ter a consistência dos navios. Não os reais, mas os que navegam na mente. Já que achei que o mundo é apenas um acidente de percurso, dei aos meus navios um mar acidentado, para que pudessem velejar sob as escarpas das águas e destinos.
         Também lhes ensinei a língua dos horizontes para que pudessem atravessar o caos do mundo sob a lua e também um mapa medieval, para que chegassem aos mares dos sonhos. Durante muito tempo meus navios tiveram um intrigante semblante. Pareciam monumentos móveis em suas marinas distantes, a tocaiar aves ribeirinhas e amparar os pescadores cegos. Meus navios se foram e para mim ficaram as calmarias. Com elas faço inventários de areia, dia após dia.

Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond
tel 021.25049211)