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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Altares

 
Estávamos todos integrados naquele bar caído. Pé-sujo da pior espécie bebendo álcool que é o sangue dos deuses esquecidos, ouvindo um hino de Paulinho da Viola, a que chamam apropriadamente de samba, e que nos fazia  irmanados, naquele sentido maior de estarmos vivos. Estávamos ali unidos sob a toga da noite, para sempre filhos de um mesmo sentido oculto de existir, que ali se anunciava em pequenos atos. Estávamos assim instalados no afago daquele momento absoluto a redimir a imprópria soberba que o álcool atiça, com palavras ao acaso, e gracejos dispensáveis em outros ambientes, mas que ali eram adornos perfeitamente necessários. Estávamos assim, dispersados da passeata chamada mundo, e recostados naquele pequeno palco do planeta denominado por alguns de boteco, mas que para nós era mesmo um altar, onde celebrávamos o mistério daquele momento, cada um a sua maneira, ouvindo um samba de raiz, que são as canções dos combatentes e sonhadores do mundo.

                FRANCISCO ORBAN

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

                                
               

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Navios de vento


A palavra é recurso
escasso
mas se alimenta
de quintais
e eu me alimento
das palavras
que não cabem
na vida imposta
com seus navios
de vento
adernados nas horas

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Bares

Este é o navio que me levava a você
não fossem os naufrágios que se ergueram
entre os símbolos e as pontes do tempo
onde os signos da chuva se perderam

Estes eram os bares que nos acolhiam
mas que agora são ícones mortos
como seus vagos personagens
fora dos elementos do dia
             
E onde habita hoje esta forma de viver
quando só eu e você existíamos?
Tão absortos ao que o amor traria
 Assim vivemos entre suas armadilhas

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Homem do mar




Sou um homem do mar
e com ele velejo
num navio
sem rumo

Cada um traz velas
retiradas das águas
e outonos dobrados
emprestados do mundo

Sou um homem do mar
que arruma cansaços

Para acordar
e se pôr
a serviço das águas













Marília


           


Então era o açude do tempo
o que apenas falava
daqueles haras de luz
daqueles tão longos dias
onde um dia deparei-me
com o sorriso de Marília

Onde um dia me incluí
no rio que ele trazia
Naquela tarde trançada
pela sua alegoria
onde Marília de branco
tirou o branco que havia
ficando branca para mim
em sua nudez tão alva
que até hoje me embalam
os carinhos que fazia 

domingo, 23 de outubro de 2011

Torniquete

Torniquete


No espanto deste dia
visto sempre além dos molares
estas tendas de sonhos encobertas
onde exaurido sigo poeta
para as batalhas que sei perdidas

No espanto deste dia
ando nesta rua só de ida
para o porvir que ninguém sabe
a fazer um torniquete que encobre
a sangria dos embates estelares

Aventura e ventania

 

 

Pele de aventura e ventania

o horizonte abraçando a estrada


e as lembranças nas mãos pousadas

senhoras e donas do mundo

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Os pássaros desciam do Outono

Te afagava o rosto
tuas pernas eram longos caminhos
afoitos
Te afagava o corpo
os pássaros desciam do outono
e a noite pousava
como uma grande cidade


Quis sentir teu abandono
este poeta
que voltou
de um longo sonho

Arrastão


Arrastão

Recolho do mar
os poemas
para que assim
renasçam
com seus motivos
de vento

Que importa se me trazem
a exaustão das estradas
ou os sudários esquecidos
dos habitantes do frio

Que importa se me trazem
a pele franzida e aguada
do escalpo de uma estrela
caída da madrugada  


Nos anzóis do dia-a-dia
fisgo os poemas
que emergem
da foz  de um mundo
não feito

domingo, 16 de outubro de 2011

Das estações

Das estações




Nosso amor agora é uma cicatriz errante
Mas antes não era este jarro quebrado
quando eu andava contigo
no círculo da alegria e das palavras

Não era este passar de horas
alternadas pelo meu cansaço
Porque eu estava vivo no mundo
com os favos dos teus beijos na carne

E tudo era o acontecimento do nosso amor
com seu tambor de sol a refazer a tarde
Sem os pátios de descasos em que agora me acho
tão longe das estações dos teus braços



Poema esquecido

                                                                         
Nunca esta tarde esteve tão perto
Como um poema esquecido
e nunca mais reaberto
volto à cena antes
dos presságios
Refaço  a planície
em que  me recostava
sobre o leito  do teu amor
na borda de uma grande
cidade inesperada

Nunca a madrugada
ficou tão clara
como quando teus seios
recostados ao meu peito
acendiam a luz das calçadas
Eu que tinha sido
apenas o emissário
de um outono
estava     
fusionado a ti
para sempre
sobre a doçura
do teu corpo aberto


Bala Perdida

                                     ( Lição Severina)                          

A bala é um ser quase mudo
mas se cumpre num estampido
ferindo seres e falas
e a harmonia do ouvido

A bala com seu plano sujo
não faz concessão a nada
resvala  pela madrugada
mas só para abrir uma vala

E a madrugada que a acolhe
que afaga vento e estrelas
não sabe que ela é em si
um erro da natureza

Da natureza do homem
que a produz e consome
que a adestra e a solta
como cachorro sem dono

No equilíbrio do mundo
a bala é uma estrangeira
pois ela não tem o cheiro
e a algazarra das feiras



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DO LIVRO LEILÂO DE ACASOS

A poesia de Francisco Orban é feita à sua medida, como deve ser a poesia dos verdadeiros seguidores da estrela. Pois o que se busca em uma poesia, senão uma esperança que nos escapa todos os dias das mãos, quando estamos de pulsos abertos para o sentimento do mundo? É verdade que não há mais retorno para os que se embrenharam nesta viagem para dentro de si mesmos e para esta relação de comunhão com a palavra. Não é possível o retorno. Missão, dizem alguns. É possível que seja uma das mais nobres missões, pois o que é um poeta senão o porta-voz de todos os que estão  sem voz?  O que é um poeta senão aquele que pontua, como contraponto à nossa rotina feita de pequenos embates e mesquinharias, o grande cenário do mundo?

Se muitos estão sós e desamparados da palavra, vem a poesia como uma luz no meio da noite, ou uma epifania, como define Gerardo Mello Mourão, referindo-se à obra anterior deste poeta. É por isso que os versos deste livro, escritos em forma de prosa, são pungentes e nos surpreendem, como afirma Geraldo Carneiro, perpassando uma dor diante das coisas que passaram. O livro invisível de Borges não é mais cruel do que a realidade que se impõe e nos atropela, com suas ameaças cotidianas e cósmicas. A ideia de que a juventude escoou, assim como escoaram muitos sonhos de sua geração, aparece de forma original nos textos Itinerantes e Leilão de acasos, únicos escritos na década de setenta, quando a loucura era  glamurizada e parecia conter uma forma de ativismo político.

Assim, o poeta reúne neste livro suas lembranças, que não obedecem, como todas as lembranças, a nenhuma ordem cronológica, ora falando do amor (“Como os veleiros, amei um dia uma mulher, que  de mãos dadas comigo resolveu andar pelos garimpos silenciosos do coração”), ora falando da violência, que não é mais nada do que a falta do amor (“Agora, o mundo escoava, mas era ele que se desfazia, e os dedos desapareciam, e as mãos distantes lhe faltavam”).

Antônio Carlos Sechin disse, a propósito de um livro anterior do poeta, que ele “se lança desguarnecido, num mundo de arestas e fraturas, mas onde a convocação do outro se faz mais premente”. Neste livro, no entanto, a poesia é a própria fratura exposta, mostrando os sentimentos de desilusão e deslumbramento diante do grande cenário deste vasto mundo. 



Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond
tel 021.25049211)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

HORIZONTE

          
                             


           Eu me quedo 
           com os ossos fatigados
           e as palavras mordidas
           entre o hálito das fadas


           e o silêncio atenuado
           pelo cantar dos galos
           que estronda e se esvai
           no horizonte

Casebre das estações

                  Só no meu peito
              -casebre das estações perdidas-
              guardei as hastes
              dos poemas arrancados

Navios do mar

Navios do mar
recostados no movimento
da tarde
Quantas vezes contemplei
seus destinos
Enquanto o vento da paisagem
sobre outubro e seus verbos
folheava as rimas do improvável


Há quem me traga
agora
seus caminhos sem costados
A tese de seus passageiros cegos
o mapa de seus mundos submersos
Enquanto eu
refaço em mim
o percurso de seus visionários
As dunas dos aquáticos
diálogos
que ficaram nos caminhos
do mundo

quarta-feira, 27 de julho de 2011

No Coração da Matéria



Quebro a máquina de janeiro
no coração mudo da matéria
pisando estrelas e vísceras abertas
Sigo sem destino
fingindo ter destino
com a alma talhada por pedras
Mas a sombra de um menino me acompanha
diz-me ser eu mesmo antes de mim
Digo-lhe da morte das baleias e ele ri
Ascendemos incensos pela noite
acudindo vaga-lumes descuidados
que agonizam no chão áspero da terra
Criamos com a areia do mar a fórmula
de salvar o mundo
usando serragem de estrelas
mas tudo é um sonho
Ele deita o rosto no meu peito assolado
por uma poesia sem dono
e diz ouvir os navios da infância
pergunta-me quem foi Gepeto
pergunta-me o que é o cansaço
pergunta-me sobre sua mãe e seu pai
Sobre todos os movimentos dos barcos
que vê e me mostra no horizonte
onde eu
cego pelo hábito de viver incrédulo
não vejo o que sei que lá se encontra

                                             

terça-feira, 5 de julho de 2011

Fora dos presságios

                               
Moro fora dos presságios. Uma lenta agonia atiça
O retorno dos versos
Uma flora de estrelas embaçadas rege os ventos.
Cada verso guarda uma granada secreta, como a     
Volta de um domingo ou uma estrela
quando então eu acolho a palavra.
Não penso quando escrevo, pois seria apagar-me
Não penso quando vivo, pois seria a morte.
Acato as leis que afloram
delas nascem lírios.

                                     Francisco Orban


segunda-feira, 4 de julho de 2011

O outono tem uma sinfonia

                                         


O outono tem uma sinfonia
O vejo  com o olhar
dos que sonham,
para o outono nasci
mas me perdi
de sua aventura.
Não o acho na noite
que construí
não o acho
no advento do verbo
nem no dorso
das canções belas
Para o outono nasci
mas o perdi
no córrego das ruas
e isso deixou sequelas
e deixou-me
o silêncio dos pescadores
que tangeu
de mim meus navios
dizem que para a lua
                                                

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ombro a ombro


 

Navegaremos por cidades perdidas
Com o barro inesperado dos dias
faremos o inventário do outono
Olhando as estrelas a velar nossos sonhos
resistiremos

E ombro a ombro com nossas vidas descalças
inventaremos nas calçadas da noite
o escape do nosso degredo

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Face secreta

                                                                        francisco.orb@oi.com.br
Lido com a face secreta do mar
Aqui as pedras secam sob o outono
A sombra de um poema fica
como saga de navegações
A cerração do verão sobre as certezas
A pele da aventura
sobre  o corpo
da noite

Lido com o hálito
de uma estrela
e seu sentido
a iluminar
meu rosto

Breve escultor

Por ser um sonhador
quebrei o rio das falas
onde tudo se dizia

envolvi-me com o grande
país do nada
onde o mar das horas
navegava

Imputei à noite
as normas de outra pátria
a poesia como saber sinfônico
Fui um breve escultor
do mundo
imbuído de solidões
gráficas

argüi silêncios
para, a sós com as palavras,
       profaná-las

Minha namorada

Minha namorada
tem cabelos e silêncios
pele de porcelana morena
dilemas abertos
no seu corpo

Minha namorada
tem o sexto sentido
peitos apontados
para o meu delírio
De noite    
ela pisa
nos embriagados
distantes da terra

quinta-feira, 23 de junho de 2011

VELEIROS



Se os veleiros não nos seguirem
mais pelo mundo
outras palavras nomearão
as coisas
Uma velha roupa de madrugadas
não terá mais sentido
e o vínculo com os sonhos
estará desfeito

Mas o que impediria
os veleiros
de permanecer
tão janeiros
em suas vigílias
de brancas velas
no mar amarrotado
de ventos ?


quarta-feira, 22 de junho de 2011

Outras mãos





Esquece as palavras que invento
meu amor
Amanhã, outras mãos
abrirão tua blusa
tua carne
Nada teremos
a favor de nós
Eu que te elegi
no dorso de um poema
que a noite me assegurou
com seus navios
-costeados no horizonte-
Esmurro agora o nada
que me reserva o tempo
a indiferença da tua boca
Porque é o tempo
com seu crepúsculo
o que nos aparta
Para longe  do aroma
do teu rosto

Casebre das estações

       
          Só no meu peito
—    casebre das estações
perdidas¾
guardei as hastes
dos poemas
arrancados

terça-feira, 21 de junho de 2011

              

Sob o vento

 


Sim parecia o poema que eu buscava
arrancado das vísceras da noite
encharcado de estrelas incautas
torrado no lodo do tempo
sob o vento insano do momento

terça-feira, 14 de junho de 2011

                    



 

DEZEMBRO

Dezembro não pertence mais às águas
agora é só uma notícia
uma casca da madrugada
descida da árvore do tempo

Dezembro não vem mais com o vento
e em minha pele trava embates
com as marcas de outras estações

As palavras ancoradas nas marinas
de março
também acolhem dezembro
Só pelo hábito
de afagar seu rosto


terça-feira, 7 de junho de 2011

As Palavras

                 
                                                            francisco.orb@oi.com.br


                 No alambrado do nada

                 vejo as palavras passando

                 sem os percalços do tempo

                 leves como as aramos



                 

domingo, 15 de maio de 2011

Moleque Pimpão

                 

 Então ouviu o estampido seguido de um  baque na escuridão e um cansaço que subitamente com a escuridão se alastrara. Caiu rolando como se fosse o combatente de uma guerra não declarada e em queda livre, e sua camisa encharcada de sangue e aventuras, parecia-lhe de uma natureza estranha,  como uma pele gelada sobre a carne  fria.
         Agora, o mundo escoava, mas era ele que se desfazia, e os dedos desapareciam, e as mãos distantes lhe faltavam. Então sob a noite imensamente escura, escutou uma voz que surgiu do silêncio, uma voz suave e doce, como um sussurro, como se a morte chegasse trazida por uma canção de ninar, como um acalanto, e pela primeira vez sentiu  paz nos seus longos quinze anos.  Foi assim que morreu, sentindo-se Mozart, sem ter sido Mozart.  Entendendo subitamente os enigmas do universo, sem nunca ter se indagado sobre nada , assombrosamente em paz e embalado pela voz  que cada vez mais próxima  sussurrava, a lhe chamar  de meu amor



Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond
tel 021.25049211)










sábado, 23 de abril de 2011

Calçada das horas


 

  Salta a lua na noite. Tudo é a imensidão do agora. Aqui estou no epicentro de um rio. Mas a mão de uma menina me busca e me leva para a calçada das horas. Em sua tez sinto a tez das águas. Ela me diz dos caminhos do mundo, onde a esperança deságua.
  No meio da chuva estava a infância, como uma granada calada. Levou-me pelas ruas do tempo, onde os piões e as palavras dormem ainda em estado nulo. Salta o crepúsculo sobre muros e brotam poemas que se guardam.  Ao ir-se com um beijo em meu rosto, me diz que não há abismos, apenas canções descuidadas

Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, lançado no dia 5 de maio de 2011, no Museu da República


terça-feira, 12 de abril de 2011

Redes de vento

                              

Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas exculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Essa é a função que exerço
semear na pátria das falas

Essa é a função que entendo
noite a dentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas


Extinção

                                  Texto Francisco Orban

  Outubro está solto. Entre as unhas, a pele do teu rosto. Também as garrafas que joguei ao mar não voltaram com o teu nome em um velho verso. Não voltaram e fizeram deste ato um jeito de navegar. Também naveguei de mim. Para longe do que sou e do meu amor por ti. Para os territórios da renúncia, onde moram os viajantes da espera. Isso me soprou um dia o mar, através de um de seus mínimos seres. Um búzio expelido das águas, com sua caixa de música, que ainda levo aos ouvidos e até hoje me fala.

Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, lançado no dia 5 de maio de 2011, no Museu da República