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sexta-feira, 2 de maio de 2025

No Coração da Matéria

 Quebro a máquina de janeiro 

no coração mudo da matéria

pisando estrelas e vísceras abertas

Sigo sem destino fingindo ter destino

com a alma talhada por pedras

Mas a sombra de um menino me acompanha

diz-me ser eu mesmo antes de mim

Digo-lhe da morte das baleias e ele ri

Acendemos incensos pela noite

acudindo vaga-lumes descuidados

que agonizam no chão áspero da terra

Criamos com a areia do mar a fórmula

de salvar o mundo

usando serragem de estrelas

mas tudo é um sonho

Ele deita o rosto no meu peito assolado

por uma poesia sem dono

e diz ouvir os navios da infância

pergunta-me quem foi Gepeto

pergunta-me o que é o cansaço

pergunta-me sobre sua mãe e seu pai

sobre todos os movimentos dos barcos

que vê e me mostra no horizonte

onde eu

cego pelo hábito de viver incrédulo

não vejo o que sei que lá se encontra

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Mármore da palavra

 No mármore da palavra procuro a sinfonia que me escapa como esta noite finda da qual só ficou a casca onde se gera um poema que ninguém abarca Um relâmpago do qual só se guarda o espanto

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Laje

A noite arada pelo vento te afaga com seus elementos, mas teu semblante sobre a laje branca, já não tem o ar cansado dos passantes. Em ti ancoram ínfimos os navios dos teus poemas, mas estás aqui alheio à multidão de signos. Tens por fim somente a companhia de teus versos que nesta madrugada pousam leves como bichos ariscos de outros universos.

sábado, 12 de abril de 2025

Firmamento

Eu pisava no firmamento e chovia Alegorias de cães quebravam a ordem do dia Os chumaços dos avisos que eu derramei pelo tempo passaram a me nomear. Sem me dar conta. Sem acatar contas. Nobre é esta relva em que me deito na contramão do azul. No leito dos últimos dias. Foi quase uma intenção sacrificar Os pássaros

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

O poema sem retorno

 


 


 

Os usuários de poemas e estrelas

precisam saber

que um emigrante deportado do luar

não tem retorno

Quanto de mim ficará em você meu amor

depois que o oceano da tarde desabar?

depois que as mordidas exatas

que te darei no teu corpo

se tornarem tatuagens

errantes

Não há razão para o luto meu amor

depois que terminarmos todas

as festas da carne

Eu mostrarei a marca dos

teus beijos nos bares

e farei para ti os mais

belos poemas do mundo

sem mais me curar do estado de

comunhão para onde por momentos

me levaste

sábado, 4 de janeiro de 2025

Remo e harpa


Se para ti palavras são veleiros

então elas te darão retorno

Com elas poderás remar

pelas grandes dunas do invisível


Se cada palavra for também

remo e harpa

terás então as tarrafas

para pescar a encantação 

domingo, 15 de dezembro de 2024

Insone

 


 

A mulher que acorda os pescadores/

Levanta-se cedo para fertilizar o mundo

Levanta-se suada e linda/Antes do nascer do sol

Com as palavras que a saciam/ já entranhadas

na carne/ mas que desconhecem sua alma de menina.

A mulher que acorda os pescadores/finge não saber

o que os poetas sabem

Linguagem dos versos

 


                            

 

Hasteio a linguagem dos versos nesta noite

 sem  palavras. Longe de ti mas

a navegar pela poesia . Tudo que ela

 me deu é muito mais que eu merecia.

Ouro, prata, terras, gado. Podem fazer o arresto

Mas não me tirem a poesia, que me

segue à minha revelia

Adornos

 Se a dor não passa

 adorne-se com os poemas

 e o sol com que

 aquecem

 a imprecisão   

 do mundo

 Tudo é uma matemática 

 clara

 no chão da poesia

 onde a vida desconhece

 as coisas que não amanhecem

sábado, 14 de dezembro de 2024

SONETO

 


 

 

  Busco no coração da poesia  

  Uma palavra mais que  etérea

  Que já me devolva as esquinas

  Ao me apaziguar com toda rima

 

  Busco nesta palavra assombrada

  O escopo de seu chão e madrugada

  Para então seguir como poeta 

  Já não mais em terras assoladas 

 

   Que o encontro com as leis das águas

   Seja belo nesta busca finda

   Onde cada palavra que  me escapa

 

  Volte a mim já não mais silenciada   

  Para que no coração que a enlaça

  Faça em suas estiagens nascer vinhas

  

 

 

 

 

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Plano Oculto

 Cada pessoa guardará

desta noite
Um bilhete com a música
de um realejo
Mas nada se sabe
se o bilhete é a senha
de um sonho
ou se esta noite
é o grande estuário
de um plano oculto
a que chamamos
Mundo

Face Secreta

 Lido com a face secreta do mar

Aqui as pedras secam sob o outono
A sombra de um poema fica
como saga de navegações
A cerração do verão sobre as certezas
A pele da aventura
sobre  o corpo
da noite

Lido com o hálito
de uma estrela
e seu sentido
a iluminar
meu rosto

Há quem diga

 





Há quem diga que o nosso amor foi como o mar
com infinitos horizontes onde nos deitávamos
cingidos por sua fala salina
com marinas em torno de tudo
que nos dizia respeito

Há quem diga
que foi o mar que nos gerou
quando pisávamos incautos
os seus tornozelos de água


Há quem diga que foi com o mar
que aprendemos a nos afagar
e  a entoar com suas canções
de roda
a oração que nos
fez navegantes

Há quem diga que foi o mar
o nosso mensageiro

E todos os poemas são traduções
de suas águas e  veleiros

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Horizontes

 

Horizontes



Eu estava só
e as plantas cresciam
sob o alísio
Eu namorava a alma
das estrelas vagas
sob a febre da noite
e das águas

Eu estava só
e tudo assim estava
comigo
assistindo a grande queda
do horizonte
sobre a claridade
das calçadas

sábado, 7 de dezembro de 2024

Breve escultor


Por ser um sonhador
quebrei o rio das falas
onde tudo se dizia

envolvi-me com o grande
país do nada
onde o mar das horas
navegava

Imputei à noite
as normas de outra pátria
a poesia como saber sinfônico
Fui um breve escultor
do mundo
imbuído de solidões
gráficas

argüi silêncios
para, a sós com as palavras,

       profaná-las 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

O Poema de Amor

 Muitos poetas te amaram

mas eu te amei muito mais

porque estavas
no coração selvagem das estações
do mundo
e as amarras que nos apartavam
sob o teu olhar desatavam-se
e tudo era o nascimento
da encantação

Muitos outros te amaram
mas eu te amei com meu amor sereno
e pousei uma flor
na palma da tua mão
E plantei um beijo no teu sorriso
e tu cobriste de doçura com os teus gemidos
o que era o início do mundo

Muitos te amaram
mas só eu segui contigo o caminho das águas
quando meu amor louco ressoava
e fazia debandar os navios


 Sol das esperanças
mar dos horizontes amarrotados de barcos
Aqui estou assolado pelas multidões de dias
e dos caminhos que encontrei pelo mundo

Ouça meu amor este poema
agora que o crepúsculo nos assedia
aceno para ti como sempre acenei

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Questão

 

 

Se tudo não se acertar

seremos cantores mudos

mas quem nos alforriará

de ser sonhadores no mundo?

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Iniquidade

 

Corre se não a iniquidade te atinge

Neste país de pó e fuligem

vá e leva as auroras boreais

que nunca viste 

nos alforjes das alforrias provisórias

Deixa para trás

o pelourinho dos dias iguais

as acusações intransponíveis

os amigos mortos

e o balanço sempre postergado

e refeito

do que é certo, do que é direito

do que é doce, do que ensandece

na carne seca da noite

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

33 poetas


Éramos 33 poetas
apesar das falhas do céu
dos talhos no chão da carne
Amontoados sob o silêncio
das tardes com gomos de chuva
por cima da morte das baleias
e do jasmim
dizendo que assim era o plano
que ninguém morreria
no Outono
33 poetas
como Cristina Maria
que tinha cheiro de hortelã
e maresia
e pele morena de porcelana
33 poetas
assim como Luiz Carlos
batalhando no sol de São Gonçalo
ferido nos inúmeros sobrados
que trazia em si e não sabia
33 poetas
esperando a polícia todo dia
fosse inverno verão ou primavera
Isso num tempo distante
quando eu ia correndo
pelas ruas
e o tempo estava estancado
não era como agora
hemorragia de aurora
Éramos como Edgar
- caçador de balões -
herói como todos nós
que sabia subir em jaqueiras
e nunca pensou
que iria enlouquecer
33 poetas
como Janda em Salvador
falando da guerrilha perdida
da adolescência perdida
de todas as coisas que não iam
mais dar certo
apesar do mistério da Bahia
em plena terça-feira de carnaval
no verão da anistia
Éramos 33 poetas
como Odemir
que escreveu um poema assim:
Marta, um homem não é um trombone
Assim éramos tantos
voltando do exílio
falando dos canaviais
e das lutas pela vida e pela paz
numa avenida paulista
corrompida de carros
Éramos 33 poetas
apesar do tempo ser um animal solto
a máquina de quebrar encantação
que antes não quebrava nada
mas hoje me quebra os dentes
e a cartilagem do rosto
Se desse para fazer girar a máquina
escreveria um conto
entre plantas e algas de sol
Ergueria nas paredes brilhantes
blocos de ventanias sumidos
e beberia contigo
nas fontes nas águas nos vinhos
nas cidades sem tempo
nos horizontes abertos
com a pele chamuscada
de marítimas vertigens
e perigos
Onde está Luiz Maranhão
desaparecido
ninguém sabe
ninguém responde
Havia uma bota no caminho
havia o cheiro de cilada e sonho
sobrevoando São Paulo
milharal de luzes
diamante aceso
na noite perdida
de 1974
Éramos 33 poetas
em Santa Teresa
longe da Avenida São João
do petróleo queimado
e das vidas queimadas inutilmente
nas ruas escuras
nos planos nefastos
onde baniu-se para sempre
a realidade e a ternura
Éramos 33 poetas
com planos na terra
com as almas brandas
e as noites soltas
mas não sabíamos
que um vendaval espalharia
os nossos versos
as vozes as cópulas
músicas sobrariam no ar
o tempo uma rede blindada
faria apagar da memória
os tratados das noites mornas
como se isso fosse possível
e Edgar ainda subisse em jaqueiras
Ernesto tomasse a sua cerveja gelada
Cristina com seu hálito de fada
o tempo com sua malha de máquinas
telha frágil nó desatado
não revelou sua face aguada
só disse o seu lado concreto
que não vai dar no mar
mas no deserto
e assim se proclamou
súdito da cidade
senhor da dor e da saudade
Embora no calendário do dia
eu não veja o último verão
sinto os 33 poetas
com seus violões velhos
e gastos
tomarem de assalto
o dia

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Soneto

                           Estiagens e vinhas


 Busco no coração da poesia  

  Uma palavra mais que  etérea

  Que já me devolva as esquinas

  Ao me apaziguar com toda rima

 

  Busco nesta palavra assombrada

  O escopo de seu chão e madrugada

  Para então seguir como poeta 

  Já não mais em terras assoladas 

 

   Que o encontro com as leis das águas

   Seja belo nesta busca finda

   Onde cada palavra que  me escapa

 

  Volte a mim já não mais silenciada   

  Para que no coração que a enlaça

  Faça em suas estiagens nascer vinhas

  

domingo, 20 de outubro de 2024

Mármore da palavra


 No mármore da palavra

 procuro a sinfonia 

 que me escapa

 como esta noite finda

 da qual só ficou a casca

 onde se gera um poema

 que ninguém abarca

 Um relâmpago

 do qual só se guarda

 o espanto 

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Enigma

 


 

À noite sem o amor prevalecer

Os elevadores rangem submissos

Gemidos já não ressurgem/ Não há salvação

possível/ Ao longe a exaustão do mar

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Firmamento