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sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Meninos






                                                      

                                                                                 

Em algum lugar da memória esta lembrança ficou retida. Um cinturão de água cingia os sonhos dos meninos, que eram mínimos, mas traziam consigo a companhia do sol. Naquelas tardes, misturados às areias e às folhas secas dos sonhos, desconhecedores do mundo e da fugacidade das coisas, os meninos achavam-se ao acaso da eternidade, na sua condição de meninos a brincar com a areia do mar e seus destinos.
         Creio que foi assim que se encontraram. Sobre as ondas do mar que quebravam perto. Eles não sabiam que crescer seria perde-se para sempre daquele estado de comunhão que os unia com toda sorte de seres ainda não banidos da terra.
         Eles não sabiam (sabiam?) que o navio do tempo os levaria e que as grandes tardes que pareciam países de sol e fuga, se perderiam, num inimaginável processo de renúncias seguidas, que envolviam o sistemático exercício do esquecimento. Então, muitos anos depois, já envoltos no processo de transformar as lembranças em fatos desimportantes, reencontraram-se junto ao mesmo mar, que era a terra de suas infâncias, e agora desgarrados da eternidade, mas encharcados de rotinas, não se deram conta de como foram felizes e de quanto estavam velhos e afastados da pátria de si mesmos e de como suas mãos já não mostravam as pétalas de um grande Deus solar, que um dia os guiara.

               
Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond 

Mero Remador

Mero remador








Quisera eu
que sou um mero remador
ter o poder de enfeitiçar
as palavras
Elas sim me chegam
do nada
e se refazem plenas
na palma
do poema

Não transmuto
as palavras
desato-as
de suas ciladas

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Precário destino

Há muito que o mar me trouxe
como pele suas algas
Os ventos batem afoitos
nos cascalhos do meu rosto
Movido por um deus mudo
sigo atento pelas dunas
do areal que ficou
do que um dia foi só água
Há muito que o mar deixou-me
como saga seus navios
e suas escunas brancas
com as tarrafas da esperança
Das coisas do mar e do mundo
eu sou tecelão e causa
catando búzios do mar
como acordes espalhados
neste areal de silêncio
onde estrelas fazem
pausas