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terça-feira, 5 de julho de 2016

Canoas



         As canoas que um dia nos levaram hoje são esses veleiros, que do mar alto nos assistem em terra, sem que saibamos de suas pretensões. 
         Como os veleiros, amei um dia uma mulher, quase menina, que  de mãos dadas comigo resolveu andar pelos garimpos silenciosos do coração. E em se tratando de corações de  adolescentes, quanta dor rege esses seres feitos de transição e fúria, pois somos, nessa idade, mamíferos desgarrados, provisoriamente salvos do caminhar da manada (para onde?) se não para a sua própria devastação.
         Posso assegurar que ela me amou, e que juntos singramos uma linha no horizonte, deixando nossa marca entre as flores de um país que nunca aconteceu. Pelo chão de areia e seguindo os costados do mar, pisamos os búzios do esquecimento que o mar expelia, também em sua viagem pontuada de veleiros. O que ficou dessas tardes, que eram tabuleiros de sol e ventania? O que ficou de seu corpo belo, mais belo ainda pelas paisagens que construí e visitei? Não fosse o gosto de seu hálito, nada teria retido. Pertence às cinzas de um carnaval suprimido esta fábula que virou encantação e por isso dói neste ônibus das cinco, onde cumpro o roteiro dos mesmos caminhos. Como os veleiros, alguns amores deixaram descuidadamente que o vento do tempo os abatesse, com sua crueldade e seu crestar de horas. Mas não foi esse o caso. Como os veleiros, deixamos distraidamente que o mundo nos tangesse para longe, quando para longe virou a única rota de nossos destinos. E o que guardo dela são seus grandes olhos, perplexos, infinitos.











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