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sexta-feira, 15 de julho de 2016

Palavra






Que cais sufraga esta palavra
tão atônita em sua enseada?
Palavra minha única estrada



              Do livro:  No país dos estaleiros

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Lua na noite

 Salta a lua na noite. Tudo é a imensidão do agora. Aqui estou no epicentro de um rio. Mas a mão de uma menina me busca e me leva para a calçada das horas. Em sua tez sinto a tez das águas. Ela me diz dos caminhos do mundo onde a esperança deságua. No meio da chuva estava o amor como uma granada calada.


Do livro    No país dos estaleiros

Tradução


Um homem 
não trai seu sonho
nem o deixa
sem o abrigo
da tarde

Assim o tem
como vestimenta
que não o deixa mentir
que o resgata 
do abate

Um homem traduz 
seu sonho
na sua forma
de cumprir a tarde

Como se sonhar
fosse só um ato
e não um difícil
encargo


Meninos





                                                      

                                                                                 

Em algum lugar da memória esta lembrança ficou retida. Um cinturão de água cingia os sonhos dos meninos, que eram mínimos, mas traziam consigo a companhia do sol. Naquelas tardes, misturados às areias e às folhas secas dos sonhos, desconhecedores do mundo e da fugacidade das coisas, os meninos achavam-se ao acaso da eternidade, na sua condição de meninos a brincar com a areia do mar e seus destinos.
         Creio que foi assim que se encontraram. Sobre as ondas do mar que quebravam perto. Eles não sabiam que crescer seria perde-se para sempre daquele estado de comunhão que os unia com toda sorte de seres ainda não banidos da terra.
         Eles não sabiam (sabiam?) que o navio do tempo os levaria e que as grandes tardes que pareciam países de sol e fuga, se perderiam, num inimaginável processo de renúncias seguidas, que envolviam o sistemático exercício do esquecimento. Então, muitos anos depois, já envoltos no processo de transformar as lembranças em fatos desimportantes, reencontraram-se junto ao mesmo mar, que era a terra de suas infâncias, e agora desgarrados da eternidade, mas encharcados de rotinas, não se deram conta de como foram felizes e de quanto estavam velhos e afastados da pátria de si mesmos e de como suas mãos já não mostravam as pétalas de um grande Deus solar, que um dia os guiara.

               
Do livro de Francisco Orban, Leilão de acasos, (editora Garamond 

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Mero remador






Quisera eu
que sou um mero remador
ter o poder de enfeitiçar
as palavras
Elas sim me chegam
do nada
e se refazem plenas
na palma
do poema

Não refaço
as palavras
desato-as
de suas ciladas






terça-feira, 5 de julho de 2016

Canoas



         As canoas que um dia nos levaram hoje são esses veleiros, que do mar alto nos assistem em terra, sem que saibamos de suas pretensões. 
         Como os veleiros, amei um dia uma mulher, quase menina, que  de mãos dadas comigo resolveu andar pelos garimpos silenciosos do coração. E em se tratando de corações de  adolescentes, quanta dor rege esses seres feitos de transição e fúria, pois somos, nessa idade, mamíferos desgarrados, provisoriamente salvos do caminhar da manada (para onde?) se não para a sua própria devastação.
         Posso assegurar que ela me amou, e que juntos singramos uma linha no horizonte, deixando nossa marca entre as flores de um país que nunca aconteceu. Pelo chão de areia e seguindo os costados do mar, pisamos os búzios do esquecimento que o mar expelia, também em sua viagem pontuada de veleiros. O que ficou dessas tardes, que eram tabuleiros de sol e ventania? O que ficou de seu corpo belo, mais belo ainda pelas paisagens que construí e visitei? Não fosse o gosto de seu hálito, nada teria retido. Pertence às cinzas de um carnaval suprimido esta fábula que virou encantação e por isso dói neste ônibus das cinco, onde cumpro o roteiro dos mesmos caminhos. Como os veleiros, alguns amores deixaram descuidadamente que o vento do tempo os abatesse, com sua crueldade e seu crestar de horas. Mas não foi esse o caso. Como os veleiros, deixamos distraidamente que o mundo nos tangesse para longe, quando para longe virou a única rota de nossos destinos. E o que guardo dela são seus grandes olhos, perplexos, infinitos.











Festa dos ciganos




Marina
andei léguas de falas
para chegar a ti

Eu era escafandrista
das vidas e das almas
andava na São João
com medo de frio e bala

Tinha feito uma viagem
ao Nordeste e não deu certo
Tinha ido ao Polo Norte
vender gelo à turista

Agora estava de volta
cansado hipocondríaco
E tu estavas igual
com teu silêncio de seda
e tuas saias erguidas
na festa dos ciganos