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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Andaimes das horas

Não foi o homem cego
que não atravessou a noite
com as mensagens oceânicas
que ficaram por ser ditas
Não foi o topo da ilha, de onde
se jogaram na turbulência das águas

vidraceiro de mãos cortadas
menino ambulante com mãos de amendoim
não vendido
vendedor de cocada expulso
de seu pequeno reino
moça atirada do trem 
homem sonhador morto
estatístico cansado de toda estatística

Para onde iremos depois de tudo
perambulantes das cidades
entre multidões sedadas
com os anos da inocência esquecidos
com os andaimes das horas esgotando-se

Senhor convidado para o jantar
mulher culta do olhar desolado
para onde iremos
sem as palavras
do altar das ruas

Marília

Então era o açude to tempo
o que ali me acenava
aqueles haras de luz
em meio a tão longos dias
onde um dia deparei-me
com o sorriso de Marília 

Onde um dia inclui-me 
na foz da sua alegria
Naquela tarde encantada
pelo que seu sorriso abria

Onde Marília de branco
tirou o branco que havia
ficando branca para mim
em sua nudez tão alva
que até hoje me encanta
o que para mim acenava

Lua de prata





Uma lua de prata pousava em seu rosto Não era agosto, não era nada. Só a lua de prata que o seguia. Então quis deixá-la, arrancá-la do norte da alma, mas ela com sua ausência o buscava. Viu então  que tinham remos e um rumo ao outro remavam. Viu então que tinham os rostos da natureza das águas. Tentou então esquecê-la, mas ela retornava, tentou então esquecer-se, mas sempre voltava para si. Tentou por fim dar-lhe o mar. O mar e seu país azul, os búzios de uma ordem naufragada. Mas nada foi possível. Então fugiu para dentro da noite, com os seres debandados de um sonho. E foi pior; na noite a lua reinava.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Paraty



Naquele momento, olhando o mar com seu dorso amarrotado pelo vento, restaurei novamente meu diálogo com aquela cidade e seu passado. Paraty era então um lugarejo perdido de onde escoava o ouro. Suas igrejas dividiam seus habitantes: umas para os senhores, outras para as mulheres brancas, poucas para os mestiços e negros escravos.
Num mundo injusto e segregado, a cidade era assim repleta de insetos peçonhentos e de hábitos bizarros, como jogar dejetos nas ruas, sobre as calçadas de pedras trazidas de Portugal por navios. Pedras que não foram tantas quanto as de ouro arrancadas pelos homens negros , que aqui, como escravos, também de suas vidas foram expatriados.
Assim, chegamos do futuro a esta cidade pousada no azul como uma nave de luz no chão do mundo, toda feita de leveza pelos poetas que a restauraram e a reinventaram. Estes que foram os que possibilitaram a sua permanência como se encontra, assim como seus fundadores que um dia conspiraram para que ela existisse assim como uma pétala. E desta maneira a vemos agora, com os nossos olhos transmutados pelo hoje, na ilusão de que Paraty de alguma forma tenha sido sempre esta que aqui vivenciamos. É que, naquele mundo brutal, talvez ela existisse assim, como veio a se tornar, posto que embrionariamente já existia no coração dos homens.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Mãos de marinheiro

Ter mãos de marinheiro
e entender o mar
Ter mãos passageiras
e não afrontar o mar
porque os vínculos
do mar
são seus horizontes

Entender o mar
e sua latitude branda
entender sua fala
entrecortada
de arroubos
e seu marulho que desfaz
o mar dos sonhadores
porque o mar dos que sonham
é outro
e não move as águas
mas o mundo

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Sob as estrelas

Vem, que eu quero arrancar a febre do teu desejo e dar-te com uma mão um rio e com outra um beijo. Vem, que eu quero oferecer-te o caminho dos vilarejos de vento e te levar para os navios do amanhã e transformar a tua dor em algodão doce.Pois, aqui, nesta noite desabada, só prossigo porque vou no lombo dos poemas, que passam por estradas que vão dar no caminho do sol.Fica comigo nessa noite de estrelas e águas, onde eu recolha as folhas secas dos poemas e faça um leito para ti.
Uma migração de estrelas azuis pousará em teu rosto. Uma multidão de pequenos seres fará vigília em torno de nós e assistirá nascer uma nova serenidade em teus olhos

Mercado

Vendo na feira
dezembros e quartas-feiras
trazidos do território
da grande noite
inacabada

Terras do coração


                        

Quando eu envelhecer
e os versos forem só minha pousada
já não andarei na terra para lutas
mas para plantar  palavras
Quando envelhecer
guardarei teu rosto
que é o navio da minha alma
entre as samambaias do tempo
que o tempo também tem safras
onde colho meus poemas
que crescem a cada estação
assim como te colho
a cada dia que passa
nas terras do coração

Canoas


Os barcos a vela seguem
na aba do mar adernados
Há rios que só navegam
por baixo de mares e terras...

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Outras mãos

Esquece as palavras que invento
meu amor
Amanhã, outras mãos
abrirão tua blusa
tua carne
Nada teremos
a favor de nós
Eu que te elegi
no dorso de um poema
que a noite me assegurou
com seus navios
Esmurro agora o nada
que me reserva o tempo
o sal da tua indiferença
Porque é o tempo
com seu crepúsculo
o que nos aparta
Para longe  do aroma
do teu rosto

terça-feira, 21 de julho de 2015

Precário destino



Há muito que o mar me trouxe
como pele suas algas
Os ventos batem afoitos
nos cascalhos do meu rosto
Movido por um deus mudo
sigo atento pelas dunas
do areal que ficou
do que um dia foi só água
Há muito que o mar deixou-me
como saga seus navios
e suas escunas brancas
com as tarrafas da esperança
Das coisas do mar e do mundo
eu sou tecelão e causa
e assim como os pescadores
jogo redes em sua águas
trilhando suas calçadas
perscrutando seus caminhos
eu dou um sentido maior
ao meu precário destino
catando búzios do mar
como acordes espalhados
neste areal de silêncio
onde estrelas fazem
pausas

Minha namorada


Minha namorada
tem cabelos e silêncios
pele de porcelana morena
dilemas abertos
no seu corpo

Minha namorada
tem o sexto sentido
peitos apontados
para o meu delírio
De noite    
ela pisa
nos embriagados
distantes da terra

domingo, 19 de julho de 2015

Palavras calcinadas


Velejo pelo avesso de um sonho com os apetrechos do que resta, vindo do convés de um Outono. Velejo pelo avesso dos versos e ponho sobretudos e gravatas e sob as estrelas da noite acolho palavras calcinadas.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Homem do mar


Sou um homem do mar
e por isto velejo
num navio
sem rumo

Num navio de velas
tecidas de sol
e outonos dobrados
emprestados do mundo

Sou um homem do mar
que espanta cansaços
Para acordar
e se por
a serviço das águas

                   (Do livro de Francisco Orban-
               No País dos estaleiros)

Casca do tempo


Aqui nesta casca do tempo
com seu nódulo de horas
onde ávidos 
buscamos
a polpa escassa
do agora

Aqui nesta casca
do nada
que por hora 
habitamos
onde ávidos 
buscamos
a polpa escassa 
do Outono

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Mero remador


Quisera eu
que sou um mero remador
ter o poder de enfeitiçar
as palavras
Elas sim, me chegam
do nada
e se refazem plenas
na palma
de um poema
Não transmuto
as palavras
desato-as
de suas ciladas

Torniquete

Na claridade do dia
vejo sempre estas tendas
de tarde esculpidas
de onde exaurido sigo poeta
para as batalhas  perdidas

Na claridade do dia
ando nesta rua só de ida
para o amanhã que ninguém sabe
a fazer um torniquete que encobre
a sangria dos embates estelares


             (Do livro de Francisco Orban-
               No País dos estaleiros)

Desencontro

Adotamos o silêncio
e sua  linguagem
como uma sentença
para esquecer
Adotamos os navios desarrumados
do cais
guardamos as cartas 
os e-mails
e eu percorri sem ti as estradas 
aterradas do mundo
Nada acusa o semblante
do nosso desencontro
Nem as ruas
sitiadas  
ou os cômodos retirados
às pressas da cidade solar
onde amamos

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Mundo que se basta


                                                   

O mundo que se basta
em mim
não é o que eu imaginava-
Eu iria mais longe
nos meus navios

Mas o mundo que se basta
em mim
é o meu legado:
a lembrança dos ciganos
as vidas sem sobrenome
os inventários abertos

As lendas das almas
retalhadas
nas palavras dos meus versos

O poema de amor




Muitos poetas te amaram
mas eu te amei muito mais
porque estavas
no coração selvagem das estações
do mundo
e as amarras que nos apartavam
sob o teu olhar desatavam-se
e tudo era o nascimento
da encantação

Muitos outros te amaram
mas eu te amei com meu amor sereno
e pousei uma flor
na palma da tua mão
E plantei um beijo no teu sorriso
e tu cobriste de doçura com os teus gemidos
o que era o início do mundo

Muitos te amaram
mas só eu segui contigo o caminho das águas
quando meu amor louco ressoava
e fazia debandar os navios

Sol das esperanças
mar dos horizontes amarrotados de barcos
Aqui estou assolado pelas multidões de dias
e dos caminhos que encontrei pelo mundo

Ouça meu amor este poema
agora que o crepúsculo nos assedia
aceno para ti como sempre acenei
Incansável

sábado, 11 de julho de 2015

Olhar de pescador


Meu olhar de percador
desconhece o vento
E a cada intento do azul
escrevo um verso
Se estou perto de Deus
não sei ao certo
Aqui os flamingos
desconhecem o tempo
e planam sobre o mundo
a céu aberto

Eu voo sob os braços do eterno
em mim tão perto
e obscuro

domingo, 5 de julho de 2015

Fada urbana


Fada urbana da madrugada
chega à janela
me afaga com a tua boca
me chama
E eu te mostro
as mãos feridas
pelas estrelas
da noite
e tu me mostras
o que ficou
das lendas
e das
algazarras

Quando os poemas se calam

Quando os poemas se calam
anoitece
Nenhuma prece
espanta o silêncio
que caudaloso desce
disseminando  o breu
no mundo

Quando os poemas se calam
Deus cochila em algum ponto
do universo

Cidades do coração


Vou para uma cidade pequena
onde acharei os poemas
das grandes cidades
do coração
Vou para uma cidade pequena
onde os poemas morarão
em mim como uma oração
Vou para uma cidade pequena
onde os poemas se encontrarão
com as aves

sábado, 4 de julho de 2015

Dezembro


Dezembro não pertence mais às águas
agora é só uma notícia
uma casca da madrugada
descida da árvore do tempo

Dezembro não vem mais com o vento
e em minha pele trava embates
com as marcas de outras estações

As palavras ancoradas nas marinas
do mundo
também acolhem dezembro
Só pelo hábito
de afagar-lhe o rosto