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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Há quem diga

                            Francisco Orban


Há quem diga que o nosso amor foi como o mar
com infinitos horizontes onde nos deitávamos
cingidos por sua fala salina
com marinhas em torno de tudo
que nos dizia respeito

Há quem diga
que foi o mar que nos gerou
quando pisávamos incautos
os seus tornozelos de água


Há quem diga que foi com o mar
que aprendemos a nos afagar
e  a entoar com suas canções
de roda
a oração que nos
fez navegantes

Há quem diga que foi o mar
o nosso mensageiro

E todos os poemas são traduções
de suas águas e  veleiros


Quando eu envelhecer

            Francisco Orban                         


Quando eu envelhecer
e os versos forem só minha pousada
já não andarei na terra para lutas
mas para plantar  palavras
Quando envelhecer
guardarei teu rosto
que é o navio da minha alma
entre as samambaias do tempo
que o tempo também tem safras
onde colho meus poemas
que crescem a cada estação
assim como te colho
a cada dia que passa
nas terras do coração


Casca da claridade

         Francisco Orban


Se tirar da claridade
a sua casca
surgem as palavras
que escapam do outono
quando não adestradas


Pois os poemas são orações
para adormecer as crianças
e lembrar aos homens
que as tardes
são como canções breves


Os poemas são pássaros
de claridade
que carregamos
nos bolsos da alma

Relógio

                                  Francisco Orban


Que relógio é esse
batendo às cinco da tarde
entre as folhagens do tempo
e as ramagens do nada?


É a noite que o fita
e os homens o habitam
em sua febril batida
nas avenidas das almas


É a noite que o tece
em suas horas cansadas
onde a gestão da vida
em nosso rosto se talha

Praça dos momentos

                   Francisco Orban


Eis que são de vento
essas palavras que passam
e que colho
nesta praça dos momentos
onde me ergo
alicerçado no nada
Cada uma tem seu gosto
e a elas conferimos
estradas
Cada palavra é passagem
com sua paisagem
inacabada


Porto Abandonado

                   Francisco Orban




Velho outono ferido pelo país dos caminhos
por ti sitiei cidades e um porto abandonado
onde toda a dor escoava
Por ti vesti uma roupa de sobrados
sob as marquises de um sonho
E quando tudo exauria-se na noite
as almas dos poemas retornaram
como luas embrulhadas em um transe

Na curva do rio

                         Francisco Orban


Jogaram meu coração
na curva do rio
Em seu lugar
nasceu uma árvore
de madeira de lei
mas sem a voragem
dos que percorreram
outonos em transe
sem a folhagem
que cobria os canteiros
da terra
sem a fé dos dançarinos
de Deus
De extinção entendo eu
esse que segue
sem seu coração
de menino

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sobrados da noite

            Francisco Orban



É a noite o que nos fala
com seus sobrados
na alma
São seus trapiches
que  movem
essas cidades
de água

É a noite que nos faz viúvos
com a trilha dos sonhos
e os calos dos mudos

Somos a matéria dessa noite
e ela nos deserta e ignora



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Horizontes

            Francisco Orban




Eu estava só
e as plantas cresciam
sob o alísio
Eu namorava a alma
das estrelas vagas
sob a febre da noite
e das águas

Eu estava só
e tudo estava só comigo
assistindo à grande queda
do horizonte
sobre a claridade
das calçadas

Tarrafas

              Francisco Orban


Nunca precisei da lua
como agora
com sua tez clara
a gestar auroras

As redes infinitas
que arremessei
sob as estrelas
hoje são velhas tarrafas
a resgatar vidas
esgarçadas

O menino de água
que fui
se foi na curva
da quarta-feira

Noite adentro

                                      Francisco Orban

Estou aqui
onde o vento traz
a noite
e há lendas
e almas que escutam
Aqui entre os tambores
dos versos
sob a lua nua
Aqui
tocando a face
salgada de uma estrela


Aqui nesta noite
regida pelas sinfonias leves
E que há de novo
entre o mar e a treva?

Nada
além da palavra
árida
e incompleta

Dunas

                      Francisco Orban

Há muito que o mar me trouxe
como pele suas algas
Os ventos batem afoitos
nos cascalhos do meu rosto
Movido por um deus mudo
sigo atento pelas dunas
do areal que ficou
do que um dia foi só água
Há muito que o mar me deixou
como saga seus navios
e suas escunas brancas
com as tarrafas da esperança
Das coisas do mar e do mundo
eu sou tecelão e causa
fazendo com as palavras
o que os homens fazem aos hinos
Seguindo suas calçadas
perscrutando seus caminhos
dou um sentido maior
ao meu precário destino
catando búzios do mar
como acordes espalhados
neste areal de silêncio
onde estrelas fazem
pausas